Em Off #2 – Trump, Trump, Trump
Tal qual um assassino de filme slasher, o império estadunidense moribundo tenta desferir os últimos golpes, desesperado para levar mais gente com ele ao inferno. Que o fascismo é o botão de emergência do capitalismo – que dobra a meta das opressões e da dominação de classe a fim de manter de pé o sistema econômico burguês – todo mundo já sabe e já cansou de ver.
Porém, podemos estar presenciando algo inédito: o desfalecimento violento da ordem burguesa ocidental. É claro que o processo deverá ser longo e doloroso, mas eu, sinceramente, não pensei que veríamos, ao menos, o começo deste processo.
Neste momento, é inevitável falar de Trump e tentar pensar o quanto ele está desestruturando as institucionalidades da democracia liberal mundial e peitando todo mundo, sem necessariamente estar ganhando todas as batalhas.
Extra! Extra! Mídia americana tem medo de Donald Trump!
O jornalista Jim Acosta, âncora da CNN, viralizou após pedir demissão ao vivo. Ele era um dos grandes opositores a Trump na mídia americana em um canal que também se contrapunha à rede reacionária Fox News.
Com a reeleição do mandatário, o canal de televisão tentou transferir o jornalista de seu telejornal matinal para um programa no período da madrugada. Ele, obviamente, não aceitou.
No episódio de 31 de janeiro do podcast A Hora, do UOL, José Roberto de Toledo e Thais Bilenky explicam como Trump tem processado conglomerados de imprensa que têm braços na área do entretenimento. As regulamentações do setor precisam de autorização do governo, o que faz com que as imprensas maneirem nas críticas e, até, como é o caso da Paramount, paguem indenização ao laranjão.
Além disso, vários dos veículos de mídia do país foram comprados por bilionários, inclusive ligados ao setor da tecnologia. Jeff Bezos, por exemplo, comprou o mais tradicional deles, o Washington Post. Curiosamente, esses bilionários resolveram assumir de vez o flerte com o autoritarismo ao dar as mãos ao novo governo.
Enquanto isso, os artistas também estão mais calados dessa vez. O motivo pode ser parecido, já que a classe necessita do governo para assuntos como a regulamentação do streaming e das IAs.
É melhor Jair estocando comida
Foi pouquíssimo comentado que o fascista presidente dos EUA resolveu sair de mecanismos internacionais de cooperação como o Acordo de Paris e a OCDE. Poderíamos discutir o perigo que isso é, no geral, mas talvez seja importante salientar uma das organizações abandonadas pelos americanos: a OMS.
Segundo a CNN, a Organização Mundial da Saúde propôs cortar gastos para lidar com a saída de seu maior financiador, cuja ajuda chegava a 18% do orçamento total. O dinheiro serviria para, por exemplo, a erradicação de poliomielite e o enfrentamento de emergências.
É fácil de entender, portanto, que a saúde do mundo pode estar em risco. Se houver outra pandemia como a de Covid, já era.
Petro perdeu?
Com a crise dos deportados, que foram mandados para os países de origem algemados e acorrentados, Gustavo Petro peitou Trump e se recusou a recebê-los naquele estado. Trump ameaçou taxar os produtos colombianos. Petro trucou ameaçando taxar produtos americanos. Eles fizeram um acordo e os deportados foram transportados em condições dignas.
Como a imprensa brasileira noticiou? Como um recuo de Petro. Como se ele tivesse perdido a briga.
Um país do tamanho da Colômbia enfrentou a maior potência do mundo (conhecida pelo imperialismo; por financiar golpes de estado pelo mundo; pela invasão de países) e conseguiu o objetivo principal de garantir o bem-estar de seus cidadãos. Isso, para mim, é uma vitória.
Derrota é perceber que mesmo num caso em que sofremos o mesmo absurdo que a Colômbia, a nossa mídia continua sendo cadela dos EUA e bem pouco preocupada com a soberania nacional.
O Pequeno Livro Vermelho
No início de janeiro, o cerco ao TikTok promovido pelos EUA fez com que os americanos migrassem para uma rede similar, também chinesa: Xiaohongshu, conhecido como Red Note.
O povo americano, conhecido por ser pouco autocentrado e um exímio conhecedor da realidade de outros países, passou a interagir com os criadores de conteúdo chineses. O resultado do intercâmbio cultural foi que os norte-americanos descobriram que são afogados em propaganda anti-China a vida toda e que os amigos orientais são, vejam só, pessoas normais.
Viralizaram vídeos dos estadunidenses chorando ao descobrir que a vida deles pode ser pior que a dos chineses, principalmente em assuntos como a quantidade de horas trabalhadas e o custo dos tratamentos de saúde.
Uma especialista em mídia explicou melhor sobre o novo app chinês, aqui.
DeepSeek
Na última semana todo mundo já falou sobre o DeepSeek; sobre como ele foi o mais baixado na app store; sobre como ele custou dez vezes menos que o ChatGPT e etc.
O que talvez seja bom salientar, então, é a questão ecológica. O ChatGPT, por exemplo, gasta cerca de uma garrafa d’água para escrever 100 palavras. Já o DeepSeek usa 98% menos GPUs para treinamento, ou seja, menos energia.
É muito curioso que o mundo ocidental já demonstrou que o capitalismo não está disposto a abrir mão de lucros exorbitantes para garantir a continuidade da vida na Terra. Por exemplo, ano passado Joe Biden anunciou o envio de US$ 50 milhões para proteger a Amazônia, o que é equivalente ao envio de um dia de armas a Israel. Trump, como já dito, saiu do Acordo de Paris, cujas metas já não impediram o aumento crítico de 1,5°C de aquecimento da Terra.
Enquanto isso, a China conseguiu cortar pela metade a poluição do ar em 7 anos. Ainda que os desafios ecológicos do país continuem sendo gigantescos, continua sendo um dos poucos lugares do mundo em que as metas de sustentabilidade são alcançadas.
De toda forma, a treta do DeepSeek foi mais um tapa com luva de pelica na frágil sustentação do capitalismo ocidental. Assim como o anúncio de que a China também trucou Trump e irá taxar exportações americanas.
Em tempo
No episódio “Dá Pra Chamar de Democracia?”, o podcast Calma Urgente falou sobre o monólogo de Jon Stewart sobre Trump, no qual o comediante se diz impressionado com o “desespero exagerado” das pessoas em relação ao novo governo.
Segundo o humorista, o mandatário fala demais, mas age sempre dentro “das quatro linhas da Constituição”. O que não deixa de ser verdade. Forçando os limites das cartas magnas, é possível mesmo agir como um fascista. Vide as leis que autorizam “estados de exceção”.
A democracia liberal permite, portanto, que um fascista seja eleito e aja quase que sem restrições. O que a democracia liberal nunca permite, no entanto, é um governo verdadeiramente de esquerda. Jorram rios de dinheiro contra candidaturas de esquerda, além de impeachments fakes, prisões e terrorismo fiscal contra qualquer política minimamente progressista. A única vez que um governo socialista foi eleito no mundo, foi com a vitória de Salvador Allende, no Chile. Pouco tempo depois, o presidente eleito foi derrubado e morto em um golpe de estado financiado pelos EUA.
Trump, Bolsonaro, Netanyahu, Erdoğan e afins podem chegar ao poder “democraticamente”. Mas um governo do povo, jamais. Talvez não haja nada menos democrático do que a democracia liberal, burguesa e capitalista.