Em Off #1 - Economia, Banco Central e a taxa de juros
Apontamentos de um jornalista sobre o que anda acontecendo por aí
A ideia deste novo “quadro” da newsletter, que batizei de Em Off, é tecer breves comentários sobre o que anda acontecendo nas notícias do Brasil e do mundo. Esperem uma visão diferente da propagada pela mídia hegemônica e, até, da mídia progressista em geral.
Acho que é importante sair da bolha da Cultura porque ela não está isolada do mundo. Entender melhor o mundo leva a uma melhor compreensão da cultura e uma melhor compreensão da cultura leva a entender melhor o mundo.
Fiquem à vontade para comentar, discordar, debater tudo o que for dito aqui. A ideia é conversar e circular pensamentos que não estejam subordinados a nenhum dono de empresa de mídia. Seria ótimo, também, receber sugestões de assuntos. Espero que gostem!
Independência ou morte
Como pode a defesa de um Banco Central independente ser consenso no Brasil? Até onde sei, na democracia liberal só há três poderes independentes: Legislativo, Executivo e Judiciário.
O Banco Central faz parte do Poder Executivo e serve para garantir estabilidade econômica a partir do programa eleito pelo povo.
Defender a independência do BC é basicamente dizer que a burguesia (que forma o Comitê de Política Monetária) está acima do voto. Não importa o programa econômico do governo, o BC sempre tocará uma política ortodoxa, liberal.
Se o governo for de direita, ortodoxo, o Banco Central será subordinado ao programa; se o governo for de esquerda, heterodoxo, o Banco Central se colocará contrário às teorias econômicas que foram eleitas e, no fim das contas, impedirá que elas sejam praticadas. É um estrangulamento, uma forma de manter o governo na coleira. Caso haja resistência, dá-lhe terrorismo econômico e ameaça de impeachment.
Não tem nada mais autoritário que isso. Elegemos um executivo que defende um programa econômico específico; escolhemos aquele entre tantas outras opções. Mas a democracia é jogada no lixo já que um programa econômico heterodoxo, de esquerda, jamais será tocado pelo BC independente.
Marx sempre esteve certo: vivemos na ditadura da burguesia
Galípolo desceu lá pro BC
Gabriel Galípolo, escolhido pelo governo federal para substituir Roberto Campos Neto, assumiu a presidência do Banco Central já aumentando a taxa de juros em 1%, chegando ao absurdo patamar de 13,25%.
Lula passou os últimos dois anos criticando, acertadamente, o neto de Roberto Campos (que foi ministro do Planejamento do governo Castelo Branco). Agora, com o novo aumento da Selic, a reação do presidente foi bem mais branda:
“Já estava praticamente demarcada a necessidade da subida de juros pelo outro presidente [Roberto Campos Neto], e Galípolo fez aquilo que ele entendeu que deveria fazer.
...
Eu tenho 100% de confiança no trabalho do presidente do BC e tenho certeza de que ele vai criar as condições de entregar ao povo brasileiro uma taxa de juros menor no tempo que a política permitir que ele faça.”
Se Galípolo seguir com uma política monetária igual do indicado por Bolsonaro e Lula continuar falando manso, vai ficar muito feio pro governo.
Acima de Qualquer Suspeita
Mas, a inflação está alta, certo? Para diminuir a inflação, basta aumentar a taxa de juros.
Acho que ninguém em sã consciência chamaria o banqueiro André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, de esquerdista, comunista.
Nesta entrevista, ele explica o porquê de não fazer mais sentido defender a teoria de que aumentar a taxa de juros diminui a inflação:
Caso queiram uma visão de esquerda de verdade, deixo aqui uma entrevista com o economista David Deccache.
Dito isso, a inflação brasileira de 4,8% está na média histórica do país, mesmo que esteja acima da meta definida pelo governo (que, sabe-se lá porque, colocou uma meta baixa).
O que subiu muito foi o preço dos alimentos e da gasolina. Claro que, com a gasolina em alta, tudo aumenta. E a Petrobrás continua subindo o preço para agradar os acionistas.
Quanto aos alimentos, os motivos têm muito a ver com as mudanças climáticas, que acarretaram em quedas de produção nos dois primeiros trimestres do ano passado. Além disso, o agro exportador, por não ter que pagar impostos, prefere mandar comida para fora do país em vez de alimentar a própria população.
O aumento da taxa Selic desaquece a economia e gera desemprego. Há, no entanto, uma falta de oferta de alimentos e não um excesso de demanda. Além do mais, o ser humano ainda não aprendeu a se alimentar de ar ou a fazer fotossíntese, o que significa que não poderá deixar de consumir os alimentos que, por enquanto, continuam escassos. O aumento da taxa de juros criará uma recessão que dificultará ainda mais o acesso da população à comida (e, obviamente, fará o Estado pagar quantias exorbitantes aos detentores de títulos da dívida pública).
Flashback
Em dezembro de 2014, Dilma Rousseff encerrou o primeiro mandato com 52% de aprovação. O PIB (Produto Interno Bruto) daquele ano havia crescido 0,1%. A presidenta foi reeleita, o que comprovou a máxima da economista Maria da Conceição Tavares de que “as pessoas não comem PIB”.
Nos meses que se seguiram, o governo brasileiro sofreu pressão de todos os lados. Dilma fez uma “limpeza ética” nos ministérios, demitindo todo mundo contra quem pesava a mínima suspeita de corrupção, o que revoltou o centrão, que perdeu seus cargos, e fomentou a revolta de Eduardo Cunha; os militares prometeram se vingar da Comissão da Verdade, que investigou a história dos mortos da ditadura; o golpismo de Aécio Neves e a direita punitivista com mania de poder se uniram no lavajatismo; a comunidade internacional pairava sobre o Pré-sal como urubus querendo um pedacinho do bolo e “torcendo” por um governo entreguista.
Mas, nada disso teria importância se o governo tivesse apoio popular. Apoio este que a presidenta perdeu ao colocar Joaquim Levy na Fazenda. Para controlar a inflação, Levy propositalmente criou uma recessão econômica e um pacote de desoneração fiscal que, na prática, serviu como programa de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.
Com a popularidade em queda livre, sem apoio do povo que a mantivesse no poder, Dilma Rousseff sofreu um golpe parlamentar em 2016.
Agora, em 2025, com a popularidade de Lula em queda, o secretário do Tesouro Nacional, Rodrigo Ceron, disse que, para controlar a inflação, é preciso desacelerar a economia. O que poderia dar errado?
Em tempo
Segundo reportagem do UOL, Mercado errou 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021. Já que nenhum profissional, em nenhuma área, seria respeitado se tivesse uma taxa de erros tão elevada, já chegou a hora de passarmos a ignorar o mercado enfaticamente.
Quem sabe, até, de fazer tudo o oposto do que a Faria Lima disser.
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Na próxima edição: Petro x Trump, EUA x OMS e a China dominando o mundo