O fascismo em Dario Argento: horror do belo | Especial Giallo
(Este texto possui spoilers dos filmes de Dario Argento)
Dario Argento nasceu em 7 de setembro de 1940, na Itália. Nesta época, o país era governado pelo regime fascista de Benito Mussolini. Ainda que a queda do Dulce tenha ocorrido quando Argento era apenas uma criança, parece que o período ficou gravado na mente do diretor, ainda que inconscientemente.
Nos filmes de Argento não há citações diretas ao fascismo, mas, de uma forma ou de outra, ele está sempre presente. Talvez a mais óbvia seja a sugerida relação entre as bruxas de “Suspiria” (1977) e o nazismo, que pode ser percebida, por exemplo, na cena de assassinato do pianista. Ou, no Instituto Richard Wagner, o internato feminino de “Fenômeno” (1985). Neste filme, como o diretor afirmou em entrevista ao jornalista Fabio Giovannini, estamos numa realidade paralela em que os nazistas ganharam a Segunda Guerra Mundial, informação que não aparece no filme em nenhum momento.
Este detalhe é muito revelador de um dado importante da filmografia de Dario Argento: os mundos que ele cria nunca são, exatamente, o nosso. Eles estão no limite entre a realidade e o sonho, talvez muito próximos do lugar do delírio a partir da descrição de Freud, como afirma Gabriel Costa Correia na tese de doutorado “Dario Argento e o Cinema de Gênero: Do Assassinato Como uma Bela Arte ao Cinema do Sonho e do Delírio”. Segundo o psicanalista, o delírio é uma tentativa de cura, de reconstrução de uma realidade perdida, onde houve uma cisão entre o ego e o mundo exterior. O sujeito pode, então, localizar-se no mundo por meio de uma organização significante.
Os mundos de Argento são compostos por regras específicas que destoam mais ou menos do que nós entendemos por realidade. Por exemplo, cabeças decepadas podem falar, como em “Trauma” (1993), e insetos podem investigar crimes, como em “Fenômeno”. São como imagens de sonhos que chegam no consciente através das experiências de investigação que os filmes propõem. Os momentos de ruptura com o real, que podemos chamar banalmente de traumas, são variados para cada personagem. Mas, o que parece ser o trauma coletivo da sociedade moderna é, justamente, o fascismo. E este se estabelece na obra do cineasta através da arte.
Tanto os fascistas italianos quanto os nazistas alemães tinham visões de mundo que passavam pela arte. Ambos queriam retomar um passado perdido, idealizado (portanto, falso), seja de Roma ou da Grécia antigas. Na Alemanha, havia a tentativa de reabilitar a arquitetura clássica e o ideal de beleza das esculturas gregas. Na Itália, a estética não tinha uma forma oficial, equilibrando-se entre a arte moderna e o retorno ao clássico.
Uma das propostas era a do Novecento, movimento cujo nome já tentava fazer a ligação com os grandes períodos anteriores da arte italiana, o Quattrocento e o Cinquecento, e que pretendia promover um novo momento tradicionalista para o fascismo. Do outro lado, vinha o Futurismo, uma vanguarda que também queria ser a estética oficial do regime, privilegiando o moderno, as máquinas, a velocidade.
É de se imaginar o quanto a opulência fascista, a profusão de ideais estéticos, unidos à violência e à opressão do regime criou marcas indeléveis na mente de uma criança como Argento era na época. Essa experiência pode explicar o que parece ser o mote principal da obra do diretor: o horror que vem do belo e o belo que vem do horror.
“O Pássaro das Plumas de Cristal” (1970) e “Síndrome Mortal” (1996): a arte como gatilho para o horror
“O Pássaro das Plumas de Cristal” acompanha o frustrado escritor Sam Dalmas (Tony Musante) que, por acaso, testemunha uma tentativa de assassinato em uma galeria de arte. Ele tenta impedir o acontecimento, mas acaba preso entre duas portas de vidro, sem poder voltar para a rua ou adentrar a galeria. O protagonista se vê, então, fascinado pelo que testemunhou e passa a investigar o caso, tentando lembrar quem é o assassino, já que este estava escondido com os trajes comuns de vilão de um giallo: sobretudo, chapéu e luvas.
A galeria é cheia de esculturas estranhas, com aspectos perigosos como estacas e garras. No fim do filme, inclusive, essas esculturas serão usadas como armas propriamente ditas contra o protagonista. No meio das obras de arte, a tentativa de assassinato se coloca como uma espécie de performance artística. Ou, ainda, como cinema, já que Sam não consegue interferir na cena por estar atrás de um vidro, ou da “quarta parede”. Desta exibição de horror, seguirão diversas formas de violência no decorrer do filme.
Na primeira cena, já vemos o assassino criando seu próprio trabalho artístico. Ele escreve um roteiro sobre como achar sua próxima vítima e segue para fotografá-la. Então, enquanto ele escolhe a arma de preferência, um corte nos mostra uma matéria de jornal falando sobre o assassinato cometido. Assim como o protagonista, investigador amador, o criminoso é um artista.
Com a resolução do mistério, descobrimos que a verdadeira assassina foi abusada sexualmente na infância e que teve um surto quando viu a representação artística do acontecimento: uma pintura naif mostrando uma garota sendo abusada. O crime original foi transformado em pintura e a pintura foi um gatilho para novos crimes.
Neste, e em todos os seus filmes, Argento constrói um universo em que arte é predominante. Aqui, principalmente, a arte moderna. Degenerada, como diriam os nazistas. A galeria, com as paredes brancas e portas de vidro, tem um quê de pintura hiper-realista, destacando as imagens violentas das esculturas e da alienação do protagonista em relação ao mundo, que se vê preso entre os vidros. Há também a fetichização dos instrumentos de morte, como facas, filmados em planos detalhes, como se tivessem se tornado símbolos de violência no inconsciente, resquícios das memórias recalcadas da assassina.
A criminosa de “O Pássaro...”, ao ver seu trauma representado na pintura, acaba por assumir o lugar do abusador e passa a cometer assassinatos. Algo parecido acontece com Anna Manni em “Síndrome Mortal”. No filme, a personagem de Asia Argento é uma policial investigando o caso de um serial killer que abusa sexualmente das vítimas antes de matá-las. O suspeito está em Florença, onde Anna irá segui-lo. Em uma visita ao museu, ela descobre que sofre da Síndrome de Stendhal. Esta síndrome acometia o escritor Stendhal, que sentia reações psicossomáticas fortíssimas quando se deparava com uma obra de arte que o impressionava. Uma mistura de prazer e horror.
Anna, ao se deparar com a arte, que está por todos os lados em Florença, até de maneira opressora, começa a fazer parte das obras. A sequência no museu é de um crescendo impressionante, na qual a personagem começa a ouvir sons emitidos pelas obras, como o vento que sopra na Vênus de Botticelli, ou o grito da Medusa. Todos os elementos do cinema, visuais e sonoros, animam as obras e criam esta imersão, que Argento, sempre muito interessado nos limites da tecnologia, forja também através de um CGI primitivo, mas belo.
O seria killer, que diz compreender a condição de Anna, faz da policial uma de suas vítimas, mas esta sobrevive e passa a se transformar, gradualmente, no assassino, incluindo fisicamente. O filme trata Anna como o resultado artístico e medonho do criminoso, ao ponto de mostrá-la completamente banhada em tinta, como uma pintura. Este “Um Corpo Que Cai” invertido demonstra claramente o trajeto da violência que cria a arte e da arte que cria violência.
“Prelúdio Para Matar” (1975) e a arte degenerada
A primeira cena de “Prelúdio Para Matar” mostra Marcus Daly (David Hemmings), um pianista de jazz, explicando para os colegas que a performance deles estava perfeita, mas que isso era um problema, já que este estilo musical teria surgido nos bordeis e, portanto, deveria ser mais “sujo”.
Marc é um “burguês do piano”, como diz seu amigo Carlo (Gabriele Lavia), e ao presenciar um assassinato, deverá conhecer a fundo a sujeira do mundo para investigá-lo. Seguindo o modelo que o próprio Argento ajudou a estabelecer, Marc verá algo que ele não compreende à primeira vista e que passará o longa todo para entender e assim descobrir a identidade do assassino. Mais uma vez, essa “cena primordial” está relacionada à arte: um corredor de pinturas grotescas na casa da vítima.
Também é uma característica básica dos gialli que este investigador amador se aprofunde nos mistérios da sociedade para descobrir o que ela esconde. No caso, a sujeira por trás da sociedade moderna. Neste filme, o cineasta atinge o auge da forma do giallo ao conceber um mundo totalmente imerso na contemporaneidade a partir, justamente, da arte.
Uma das cenas mais famosas do filme é a do Blue Bar, cujo cenário lembra muito a pintura “Nighthawks” (1942), de Edward Hopper. De novo, temos a ideia do ambiente amplo, em que a parede de vidro confunde a separação entre o interno e o externo, demonstrando uma alienação dos personagens. Aqui, ao ponto dos atores que estão dentro do bar ficarem totalmente estáticos, colocando o ambiente como um instante parado; um instantâneo. Em frente ao bar, estão Marc e Carlo, na Piazza C.L.N (ou Praça do Comitê de Liberação Nacional), que foi projetada no período fascista e servia de sede para a Gestapo.
Não só a piazza ajuda nesta sensação de um lugar alienante, de arquitetura ampla, como as duas esculturas representando os rios Pó e Dora Riparia colocam o humano em perspectiva, como pequenos e oprimidos. Como bem notou Letícia Badan de Campos na tese “A Cultura Visual no Cinema de Dario Argento”, vários momentos de “Prelúdio Para Matar” aludem a pinturas de Hopper, como o plano em que vemos Gianna (Daria Nicolodi) enquadrada solitária no teatro em que Helga Uman (Macha Méril) havia feito sua apresentação de telepatia na abertura do filme, que lembra muito o quadro “New York Movie” (1939), do pintor.
A ideia de uma modernidade alienante, de lugares impessoais e pessoas que estão onde não pertencem – como boa parte dos protagonistas dos gialli que eram estrangeiros – é algo muito característico deste tipo de filme. Em Argento, porém, isto se dá principalmente porque ele elege os elementos dessa modernidade como signos retirados de um contexto maior, como um verdadeiro arcabouço de significações que, normalmente, envolvem a ideia da arte. Para citar alguns exemplos, temos o teatro da apresentação de Helga, todas as esculturas em seu apartamento, os objetos e miniaturas que formam os pertences do assassino (com todos os ecos psicanalíticos que eles têm), a melodia infantil que acompanha os assassinatos, o boneco autômato, os desenhos que revelarão os segredos da trama.
Uma releitura dessa ideia de “Prelúdio Para Matar” está em “Tenebre” (1982). O personagem de John Saxon espera a amante em uma praça de estética modernista, acinzentada e branca, grandiosa, onde as pessoas que passeiam possuem roupas em tons de vermelho e azul saturados, como numa pintura de Mondrian ou de Theo van Doesburg. O que parece um ambiente normal, gradualmente vai se enchendo de tensão. Um casal discute, uma mulher chora, punks andam de maneira suspeita pelo local. A trilha adianta o acontecimento perverso e o personagem é, surpreendentemente, assassinado.
O mal, em Argento, não assume uma existência apenas metafísica, mas também material. Ele é sempre materializado no mundo através do espaço, dos objetos e da arte. O cineasta é o mestre em encher de horror o que, originalmente, não tem. Como a arquitetura, as estátuas, as praças, as artes, os quadros, os objetos, os animais. Tudo revela algo que está escondido, mas prestes a aparecer pelas frestas da realidade. A maldade é, ao mesmo tempo, invisível e visível. Ela se inicia despercebida e vai tomando forma por um acúmulo de signos, de distúrbios da normalidade, que afetam o espaço e os personagens até culminarem em violência.
Essa dualidade do mal está muito bem representada na pessoa que comete os crimes em “Prelúdio Para Matar”. Ela é abstrata, como mostra o plano em que vemos apenas os olhos flutuantes no escuro, como um fantasma. A casa onde acontece o assassinato original também parece ser mal-assombrada. Mesmo assim, ela existe fisicamente e é apenas uma pessoa. Para além disso, ela tem história. No caso, é interpretada por uma atriz que trabalhou na Cinecittà durante o fascismo e que participava dos filmes aprovados pelo regime. A personagem tem o mesmo passado. Não é difícil de ligar as duas coisas e entender que essa presença nada mais é do que o fantasma do fascismo. No cinema de Dario Argento, a sociedade moderna e o cinema moderno escondem um trauma recalcado: terem se forjado a partir do fascismo e do nazismo europeus.
Para se contrapor à opulência alienante, ao que se entende como belo, Argento coloca o que há de mais podre e vil na natureza humana. Como “Profondo Rosso” demonstra, é preciso sujar as mãos para entender o que a sociedade esconde. É preciso se degenerar para não cair no fascismo que se impõe pelas belas artes.
Suspiria: imagem-síntese
Seguindo esta lógica, estaria no filme “Suspiria” aquela que pode ser a imagem-síntese do cinema de Dario Argento: o assassinato do pianista cego, Daniel, interpretado por Flavio Bucci.
Na trama, uma das bruxas e o sobrinho de Ms. Blanc provocam, ao que tudo indica propositalmente, o cão-guia de Daniel. Se formos tomar como base “O Gato de Nove Caudas” (1971), pode ser que o personagem, por possuir uma deficiência visual, esteja menos suscetível às enganações da imagem e tenha descoberto algum segredo das bruxas da Academia Tanz. De toda forma, ele se torna um alvo.
Estamos, de novo, em uma praça: a Königsplatz, local que além de abrigar edifícios neoclássicos como museus de obras da antiguidade, ainda sediou diversos eventos nazistas e ficava ao lado da base do partido. A música-tema do filme já nos prepara para o mal que começa a surgir, mesmo que ainda não há nada em cena que demonstre isso, a não ser, talvez, a presença de alguns policiais uniformizados com uma estética próxima à nazista.
Argento nos mostra, inicialmente, a praça em quase toda sua extensão, a partir de um plano em plongée, ou seja, do alto e inclinado de cima para baixo. A praça está imersa na escuridão, com a luz iluminando apenas os prédios neoclássicos, como se eles fossem símbolos destacados em um fundo preto. “Suspiria” tem a maioria das cenas gravadas em estúdio, mas esta que foi filmada em locação tem essa mesma sensação de algo quase irreal. Em vez dos interiores inspirados pelo pintor M.C. Escher, porém, temos a escuridão opressiva e o constante sentimento de um local deslocado no tempo e no espaço. É impressionante como o diretor de fotografia, Luciano Tovoli, consegue transformar o céu noturno em um preto profundo.
O cão começa a latir, mas não há nada nem ninguém na praça além dos dois. Argento passa, então, a encher de horror onde ele a princípio não se encontra. Um travelling lateral da câmera por trás das colunas de um dos edifícios parece ser o ponto-de-vista de alguém, mas essa figura é invisível. A montagem intercala entre o pianista e o cachorro tentando compreender de quem é a presença que eles sentem. Vemos, então, um plano detalhe da escultura de uma águia em um dos edifícios e voltamos ao plano em plongée, que dessa vez mergulha de verdade como se a câmera fosse a águia a atacar o cego. Mas nada acontece, até que uma sucessão de cortes entre planos da arquitetura e do humano e seu cão termina com este último atacando e matando o dono.
O mal é invisível em um primeiro nível, o da bruxa Helena Markus que só toma forma ao final do filme. Mas, mais profundamente, ele é este mal metafísico que passa a se materializar através dos elementos expressivos do cinema. A própria câmera ataca, a fotografia, a trilha, a montagem e toda a linguagem cinematográfica o criam por conta própria. A arte que representa o mal também é sua criadora. Em outro nível, o que toda essa arte representa, no final das contas, é o nazismo, alegorizado pelo poder das bruxas.
Argento, no geral
O cinema de Dario Argento opera no limiar entre o sonho e o desperto, entre a realidade total e o delírio. É um olhar que coloca tudo em cena, como o interior de uma arma em “Terror na Ópera” (1987) ou do esôfago de Anna Manni, em “Síndrome Mortal”. Ele põe em imagens, em um suporte material, tudo que está escondido, recalcado no inconsciente pessoal e coletivo, dos traumas individuais ao grande trauma da sociedade moderna, o fascismo.
Na narrativa do giallo é necessário um olhar de fora, normalmente estrangeiro, ou artístico, para ver o que se esconde por baixo da superfície do mundo. Os espaços sociais são amplos, vazios, lembrando muito o trabalho de Michelangelo Antonioni, claramente inspiração para Argento. Locais de incomunicabilidade e alienação que precisam ser rompidos pela visão aprofundada. Por baixo de toda a beleza e arte que temos no mundo, o horror sempre espreita. E o diretor coloca a arte para discutir a própria arte.
Todos os filmes do cineasta, em maior ou menor grau, são metalinguísticos. Desde a narração em off que remete aos gialli literários até esta ideia de uma cena inicial que precisa ser remontada, revista em outros ângulos para que seja finalmente entendida. Argento, que era crítico cinematográfico antes de trabalhar na indústria, continua escrevendo suas teorias e críticas através dos filmes.
As formas do cinema de gênero estão sempre sendo utilizadas, com toda a fé que ele tem na narrativa popular, ao mesmo tempo em que elas se tornam autoconscientes. É claro que num filme de terror, por exemplo, a música e a fotografia têm papel crucial na criação da tensão; a partir disso, o cineasta não só se utiliza dos códigos já estabelecidos como esse uso se torna tão óbvio em “Suspiria” que passa a refletir sobre ele mesmo. Se as narrativas de descoberta e amadurecimento têm em “Alice no País das Maravilhas” um modelo, Argento faz com que Jennifer Corvino (Jennifer Connelly) literalmente engatinhe por um buraco no chão que a levará para o pesadelo distorcido da criança assassina de “Fenômeno”. É a mistura perfeita entre o popular e o autoral, entre o clássico e o moderno.
As narrativas dos gialli no geral, e do Argento em particular, seguem uma lógica de cinema de atrações, em que cada sequência tem um fim em si mesma e se coloca como um espetáculo atrativo para o público. O espetáculo importa muito para o diretor, que já disse em entrevista que queria fazer filmes por uma perspectiva de esquerda que fossem tão atrativos quanto os da Disney. Cada morte deste cinema é um show à parte, um curta que funciona sozinho. As trilhas, de Ennio Morricone e da banda Goblin, têm uma lógica própria de preparar o clima enquanto a montagem encadeia cada plano que desfila todos os potenciais do cinema.
É o próprio cinema, com tudo o que tem de falso (portanto, de artístico) que revela o que o mundo esconde. É como na psicanálise, em que uma elaboração ficcional do sonho revela um desejo recalcado. Os mistérios da alma não podem ser entendidos pela ciência – por isso vários de seus filmes são bastante sarcásticos ao abraçar uma roupagem de ficção científica – e só o serão por quem está para além da ciência. Dario Argento é um cineasta que se interessa muito por animais, insetos e pessoas deslocadas com alguma habilidade incomum. Como é dito em “Prelúdio Para Matar”, borboletas são telepáticas. E como é dito em “Fenômeno”, a palavra “borboleta” vem da divindade grega Psique, que significa “alma”. Só os mistérios da existência podem dar pistas sobre a lógica que está por trás coisas. Só as larvas que crescem em cadáveres revelam onde está o assassino e só o cinema é capaz de mostrar tudo.
Este é um diretor que sempre leva a tecnologia um passo adiante, que entende como forçar a técnica a atingir o que ele deseja como narrador. A partir disto, temos o plano sequência de “Tenebre”, por exemplo, que é ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, que sobe pelas paredes de um prédio, no telhado, entra pela janela e termina assumindo o ponto-de-vista do assassino invadindo a casa. Se tudo o que pode ser dito sobre a perspectiva psicanalítica dos filmes, sobre a crítica ao fascismo, sobre metalinguagem são especulações, ou se nada disso realmente importa, pelo menos que afirmemos uma coisa com toda a certeza: o cinema de Dario Argento é o cinema em sua máxima potência. É se degenerando, subvertendo o que se entende por “belo”, aprofundando, delirando que se atinge o melhor da arte.