Em 2023, escrevi que aquele estava sendo um ano de novos começos. Como nessa vida tudo começa com o bonde já andando, é difícil pensar em cada passo que damos. Uma vez iniciada a caminhada, porém, torna-se possível desacelerar e entender melhor o percurso.
Nesse sentido, diria que 2024 foi um ano de reconhecimento. Se a parte mais difícil de finalizar é começar de novo, pelo menos temos o passado a ser revisto, ombros em que podemos nos apoiar.
Sinto que vários dos filmes desta minha lista de melhores do ano lidam com essa ideia. São tentativas de olhar para dentro e para trás. O plano de golpe de Jair Bolsonaro e seus asseclas são a farsa da farsa do golpe de 1964, tematizado em “Ainda Estou Aqui”; já “Godzilla Minus One” volta à Segunda Guerra para explicitar que o trauma do Japão, seu monstro, é a bomba nuclear.
Temos a investigação sobre o que o passado pode nos revelar sobre a verdade. Uma vez que podemos construir uma imagem, o que ela diz sobre nós? Em “Anatomia de Uma Queda”, as narrativas confundem e embaçam qualquer visão sobre o humano. Já em “Jurado Nº2”, Clint Eastwood, o eterno fordiano, parece dizer que a verdade revela todas as nossas complexidades e que devemos ter um olhar de carinho para tudo o que fomos, somos e podemos ser. Belíssimo esse que dever ser o último filme do diretor. Obrigado, Clint!
O terror também lidou muito com essa questão da essência de quem somos - e a falta dela - neste momento de nossas vidas. Art, de “Terrifier”, e a cantora de “Sorria 2” mostram o cúmulo da despersonalização, da falta de sentido da sociedade das aparências e do espetáculo, que resulta no horror de “Chime”, em que a vida é puro mal-estar. Em “Armadilha”, Shyamalan constrói e desconstrói uma possível essência do homem do século XXI: superpoderoso socialmente, mas já um ninguém, um “sem lugar”, no âmbito privado.
O cinema de ação tem repensado o ideal de heróis, provavelmente porque já estamos todos saturados da imagem que nos foi vendida por Marvel e afins nas últimas décadas. Tanto o papel da masculinidade (como em “Doce e Sangrento” e “Ferrari”), quanto o da feminilidade foram postos à prova. “Furiosa” nos pergunta o que fazer com a vida que nos vitimou, que foi de sofrimentos ininterruptos. Para onde direcionar o nosso ódio?
“Aqui”, de Robert Zemeckis é uma espécie de manifesto sobre todas essas questões: do passado que define mas não limita nosso presente nem nosso futuro. Porque, afinal, a vida é dialética. O que explica a minha escolha para o primeiro lugar dessa lista.
Quando precisamos reconhecer e entender a nós mesmos para voltar a andar, do zero, é importante lembrar o que nos trouxe até aqui e pensar no que nos levará adiante. Negar, conservar, superar.
—
20º - Imaculada, de Michael Mohan
19º - Ainda Estou Aqui, de Walter Salles
18º - Godzilla Minus One, de Takashi Yamazaki
17º - A Primeira Profecia, de Arkasha Stevenson
16º - Terrifier 3, de Damien Leone
15º - Sorria 2, de Parker Finn
14º - Assassino Por Acaso, de Richard Linklater
13º - Anatomia de Uma Queda. de Justine Triet
12º - Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki
11º - Evil Does Not Exist, de Ryūsuke Hamaguchi
10º - Doce e Sangrento, de Lokesh Kanagaraj
9º - Armadilha, de M. Night Shyamalan
8º - Ferrari, de Michael Mann
7º - Jigarthanda DoubleX, de Karthik Subbaraj
6º - Twilight of the Warriors: Walled In, de Soi Cheang
5º - Chime, de Kiyoshi Kurosawa
4º - Aqui, de Robert Zemeckis
3º - Furiosa: Uma Saga Mad Max, de George Miller
2º - Jurado Nº2, de Clint Eastwood
1º - Linkin Park: From Zero World Tour (Live in São Paulo)
Belo texto, Eric.
Legal ver "A Primeira Profecia" na sua lista, foi um filme subestimado pela crítica. Inclusive, a meu ver, se relaciona bastante com essa questão de reconhecer a essência e traçar reavaliações para um novo começo.
Aproveitei pra adicionar o do Kiyoshi Kurosawa na minha watchlist... não sei como, mas perdi de vista.
E feliz 2025!
Que alegria, Rafael!
Sobre "A Primeira Profecia", concordo! É engraçado como são as coisas, né. As relações que se formam entre o que temos pensado e o que acabamos gostando em determinado momento. Eu só reparei no que eu via em comum entre os filmes quando a lista já estava pronta, basicamente.
E, poxa, fico muito feliz em ter ajudado com um que você não assistiu ainda. "Chime" é assustador hahahaha espero que curta!
Abraços. Um ótimo ano para nós!