A questão do gênero cinematográfico no Giallo... e uma tentativa de lista | Especial Giallo
É muito difícil definir o giallo como um gênero e limitar quais filmes fariam parte deste corpo cinematográfico. Um dos motivos é a extensa gama de possibilidades permitidas dentro de um “modelo” mais ou menos comum às obras que podem ser consideradas giallo. Outro motivo é que, como aponta Alexia Kannas no livro “Giallo!: Genre, Modernity, and Detection in Italian Horror Cinema”, o estudo dos gêneros cinematográficos costumeiramente cai numa visão imperialista da arte, considerando apenas o que era e é produzido nos Estados Unidos, ignorando os movimentos e tendências de outros países. Nesta visão, o cinema europeu seria o “cinema de arte”, enquanto os gêneros “populares” estariam restritos à Hollywood.
Numa definição bem ampla, o giallo pode ser caracterizado como um híbrido entre o terror, o thriller e as histórias de detetive e investigação policial, com o perigo de considerar os gêneros hollywoodianos como puros e os italianos como híbridos. Para demonstrar a dificuldade de cravar exatamente os limites desse gênero, basta citar que havia uma outra tendência forte no cinema italiano da mesma época, os poliziotteschi. Estes eram filmes de ação e suspense, abordando a investigação de crimes. A diferença entre eles e o giallo pode ser pensada pelo foco narrativo: enquanto no poliziotteschi seguimos a investigação e não os atos criminosos, o giallo se esbalda em mostrar as cenas de assassinato de forma mais plástica, elaborada e demorada possível.
No texto de introdução ao giallo deste dossiê tentamos elaborar quais seriam as características mais gerais deste gênero italiano. Já no artigo sobre o ano de 1971, demonstramos como essas características se repetem e variam entre as obras, criando exemplares bastante distintos. Uma forma de definição que pode ajudar nesta indefinição toda é pensar no giallo como um filão, ou “filone”. Essa palavra italiana significa justamente “tradição”, “tendência”, “fórmula”, considerando não apenas motivos formais e narrativos, mas também as formas de produção.
Assim, além de definir os gialli a partir de sua produção rápida e de baixo orçamento, é possível circunscrever o filão a partir de sua localidade e sua temporalidade. Nesse sentido, os filmes gialli seriam os produzidos pela indústria italiana (ainda que uma das marcas do filão seja ter o mercado internacional em mente) em um período cujo auge se daria nos anos de 1970 (ainda que possam ser, e são, feitos até hoje).
Seguindo o esquema do teórico Thomas Schatz, os gêneros passam por uma fase experimental, na qual suas convenções são isoladas e estabelecidas, uma fase clássica, quando as convenções atingem um “equilíbrio” e são entendidas mutuamente pelo artista e pela audiência, pelo momento do refinamento, no qual certos detalhes formais e estilístico “embelezam” a fórmula, até chegar no estágio barroco (ou “maneirista”, “autorreflexivo”), quando a forma e seu refinamento são acentuados a ponto de eles próprios se tornarem a “substância” ou “conteúdo” da obra.
Claro que, mesmo com essa definição, os marcos variam. Podemos considerar o início da fase experimental do giallo “A Garota Que Sabia Demais/Olhos Diabólicos” (1963), ou “Seis Mulheres Para o Assassino” (1964), ambos de Mario Bava. “O Pássaro das Plumas de Cristal” (1970), de Dario Argento, pode fazer parte tanto do estágio clássico quanto o do refinamento. A era reflexiva pode ter como marco “Banho de Sangue” (1971), de Bava, ou “Tenebre” (1982), de Argento.
Para fins de organizar uma possível classificação por fases, podemos declarar de forma geral que, nos anos de 1960, temos exemplares da fase experimental, pré-gialli, inspirações e até de vertentes irmãs do giallo em outros países, como o krimi alemão. Nos anos 1970, temos a consolidação, do estágio clássico e seu refinamento. Já nos 1980, começamos a era barroca, reflexiva, e também uma espécie de diluição de suas características mais marcantes e de uma aproximação à versão americana, o slasher.
A partir disto, tentei organizar uma lista com os principais exemplares de cada fase, separados por décadas. Essa tentativa é falha, podendo e devendo ser criticada. Mas, com certeza auxiliará quem pretende se aventurar no filão.
Década de 1960, ou os pré-gialli:
· Olhos Diabólicos / La Ragazza Che Sapeva Troppo (1963), de Mario Bava
· Seis Mulheres Para O Assassino / Sei Donne Per L'assassino (1964), de Mario Bava
· A Mulher Do Lago / La Donna Del Lago (1965), de Luigi Bazzoni e Franco Rossellini
· Libido (1965), de Ernesto Gastaldi
· Noites de Violência / Le notti della violenza (1965), de Roberto Mauri
· O Terceiro Olho / Il terzo occhio (1966), de Mino Guerrini
· Col Cuore In Gola (1967), de Tinto Brass
· A Morte Fez Um Ovo / La morte ha fatto l'uovo (1968), de Giulio Questi
· Jovens, Malvados e Selvagens / Nude... si muore (1968), de Antonio Margheriti
· La morte non ha sesso (1968), de Massimo Dallamano
· Uma Sobre A Outra / Una Sull'altra (1969), de Lucio Fulci
Década de 1970, ou a fase clássica e o refinamento:
· O Pássaro Das Plumas De Cristal / L'uccello Dalle Piume Di Cristallo (1970), de Dario Argento
· O Alerta Vermelho Da Loucura / Il Rosso Segno Della Follia (1970), de Mario Bava
· Paranoia (1970), de Umberto Lenzi
· Cinco Bonecas Para A Lua De Agosto / 5 Bambole Per La Luna D'agosto (1970), de Mario Bava
· Fotos Proibidas / Le foto proibite di una signora per bene (1970), de Luciano Ercoli
· Uma Lagartixa Num Corpo De Mulher / Una Lucertola Con La Pelle Di Donna (1971), de Lucio Fulci
· Giornata nera per l'ariete (1971), de Luigi Bazzoni
· Un posto ideale per uccidere (1971), de Umberto Lenzi
· O Estranho Vício Da Senhora Wardh / Lo Strano Vizio Della Signora Wardh (1971), de Sergio Martino
· A Cauda Do Escorpião / La Coda Dello Scorpione (1971), de Sergio Martino
· O Ventre Negro Da Tarântula / La Tarantola Dal Ventre Nero (1971), de Paolo Cavara
· O Gato De Nove Caudas / Il Gatto A Nove Code (1971), de Dario Argento
· Uma Borboleta com as Asas Ensanguentadas / Una farfalla con le ali insanguinate (1971), de Duccio Tessari
· Quatro Moscas No Veludo Cinza / 4 Mosche Di Velluto Grigio (1971), de Dario Argento
· L'iguana dalla lingua di fuoco (1971), de Riccardo Freda
· Banho De Sangue / Reazione A Catena (1971), de Mario Bava
· A Morte Caminha de Salto Alto / La morte cammina con i tacchi alti (1971), de Luciano Ercoli
· A Breve Noite Das Bonecas De Vidro / La Corta Notte Delle Bambole Di Vetro (1971), de Aldo Lado
· O Segredo Do Bosque Dos Sonhos / Non Si Sevizia Un Paperino (1972), de Lucio Fulci
· A Morte Caminha à Meia-noite / La morte accarezza a mezzanotte (1972), de Luciano Ercoli
· Quem a Viu Morrer? / Chi l'ha vista morire? (1972), de Aldo Lado
· No Quarto Escuro De Satã / Il Tuo Vizio È Una Stanza Chiusa E Solo Io Ne Ho La Chiave (1972), de Sergio Martino
· O Quê Vocês Fizeram Com Solange? / Cosa Avete Fatto A Solange? (1972), de Massimo Dallamano
· A Lâmina De Aço / Il Coltello Di Ghiaccio (1972), de Umberto Lenzi
· Todas As Cores Do Medo / Tutti I Colori Del Buio (1972), de Sergio Martino
· Delirio caldo (1972), de Renato Polselli
· Sette orchidee macchiate di rosso (1972), de Umberto Lenzi
· Sette scialli di seta gialla (1972), de Sergio Pastore
· A Rainha Vermelha Mata 7 Vezes / La dama rossa uccide sette volte (1972), de Emilio Miraglia
· Il diavolo nel cervello (1972), de Sergio Sollima
· Torso / I Corpi Presentano Tracce Di Violenza Carnale (1973), de Sergio Martino
· O Perfume Da Senhora De Negro / Il Profumo Della Signora In Nero (1974), de Francesco Barilli
· O Que Eles Fizeram a Suas Filhas? / La Polizia Chiede Aiuto (1974), de Massimo Dallamano
· Os Passos / Le Orme (1975), de Luigi Bazzoni
· Prelúdio Para Matar / Profondo Rosso (1975), de Dario Argento
· Morte Suspeita De Uma Adolescente / Morte Sospetta Di Una Minorenne (1975), de Sergio Martino
· A Casa Com Janelas Sorridentes / La Casa Dalle Finestre Che Ridono (1976), de Pupi Avati
· Premonição / Sette Note In Nero (1977), de Lucio Fulci
Década de 1980, ou a fase barroca e autorreflexiva:
· Murder Obsession (1981), de Riccardo Freda
· Tenebre (1982), de Dario Argento
· O Estripador De Nova York / Lo Squartatore Di New York (1982), de Lucio Fulci
· Uma Lâmina no Escuro / La casa con la scala nel buio (1983), de Lamberto Bava
· Murderock - Uccide a passo di danza (1984), de Lucio Fulci
· Phenomena (1985), de Dario Argento
· Camping del terrore (1986), de Ruggero Deodato
· O Pássaro Sangrento / Deliria (1987), de Michele Soavi
· Terror Na Ópera / Opera (1987), de Dario Argento
· Nightmare Beach (1989), de Umberto Lenzi e James Justice